Acho que não há uma parte do meu corpo tão suja quanto os meus ouvidos. Eles me acusam dessa minha ineficiência ao deixar vestígios na borracha dos meu fones pretos.
Mas afinal, de que são feitas a sujeira dos ouvidos? Poluição do ar? Cera de ouvido? Das conversas cretinas? Das gravações de minhas sessões de terapia?
Isso mesmo: gravo no celular e confiro tudo dias, muitas vezes meses depois. Em seguida, transcrevo as partes interessantes para um caderno, com as datas dos encontros.
É assustador me ouvir. Uma ruminação. São “análises da análise” bem indigestas. Não recomendo. É curioso ouvir o áudio e tentar aconselhar positivamente o eu do passado.
Desde moleque entendo melhor o presente em leituras e ações passadas. A prática começou com jornais e revistas velhos. É mais fácil compreender quando se vê e lê o que já passou.
Consumo o passado para avaliar mais calmamente. Talvez seja minha mania de controle. Não há ânsias.Me torno um profeta mequetrefe.
Sou péssimo em dar boas respostas no momento. Sou o “Espírito da Escada”, aquela expressão francesa que representa o pensar em uma resposta esperta quando já é tarde demais.
Vivo no passado. Não sei se por covardia, controle ou burrice mesmo. Sei que aqui estou.