Acordo.
A janela aberta. O vento matinal refrescante entrando leve, embalando a tuia holandesa que seca pela minha imprudência, trazendo o seu aroma cítrico ao nariz. Deitado na cama, vendo tudo acontecer, na magnitude simples do presente. Escuto uma pequena horda de pássaros numa balbúrdia aguda e brincalhona.
Em Mirandópolis, meu bairro, as primeiras horas da manhã é o simulacro de uma vida calma que flui devagar. Há uma espécie de “silêncio com grave” que toma conta de todo o quarto.
Não compreendo como é possível haver grave no silêncio absoluto, mas ele existe, e está vibrando quando somos o que somos, quando aceitamos silenciosamente a vida em sua plenitude. Graves abraçam gentilmente os nossos corpos. É uma memória uterina.
Na Rua das Rosas, a mesma senhora com seu cachorro idoso. A Praça Santa Rita de Cássia balança suas árvores como se festejassem o dia que começa. As garotas gêmeas caminhando em sincronia e de braços dados. O mendigo oficial do bairro, na esquina, fumando um cigarro, agachado e pensativo.
Todas estas pequenas ações simultâneas da vida registradas por olhos mal dormidos, não são um exercício mindfulness. É uma tentativa frustrada de enterrar velhas memórias com novas. Afinal, antigas energias ainda estão bailando na praça. Quero mergulhar no meu vazio. E esquecer. E ser esquecido.
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No metrô, vejo um vídeo baixado no aplicativo do TED Talk. A tocante e linda palestra “Jornada através da dor e tristeza”, com Jason B. Rosenthal, o viúvo de Amy Krouse Rosenthal, falecida escritora e cineasta.
Em seu leito de morte, Amy escreveu um ensaio de derreter os corações mais duros, intitulado “Você pode querer casar com meu marido“, que trata algumas questões sobre a morte, de modo leve e engraçado, mas não menos emocionante. Era uma permissão pública de Amy para que seu marido seguisse em frente.
Ao assistir esta palestra, tenha certeza que ela terá uma influência transformadora na sua vida (em inglês, mas há opções para legendas em 15 idiomas). É um alerta calmo para prestarmos atenção na glória das pequenas coisas cotidianas que nos envolvem e passam despercebidas.
Não estamos preparados para o “nunca mais”. Eu não estou.
