Mr. Robot é uma das séries do momento. Os motivos são simples, mas justos: narrativa de “suspense tecnológico” que atrai a atenção do espectador logo no primeiro episódio (na minha perspectiva, um curta-metragem e tanto), uma fotografia moderna, fora de padrões, bonita – dando um tom urbano, sombrio, de solidão -, e o melhor ator do mundo para encarnar uma pessoa com sérios problemas sociais, Rami Malek. Ok, Christian Slater está na jogada, e isso também é ótimo.
O plot do programa tem ecos de outras séries, mas isso não chega a incomodar. Todas as resenhas que li até o momento concordam que tudo é uma versão de outras histórias. Está presente o modo de fazer justiça de Dexter mixado com a paranoia de Clube da Luta e as inserções antissistema e revolucionárias de Matrix. Repito, isso não é nada ruim.
Elliot é um jovem programador atormentado, que trabalha como engenheiro de segurança cibernética. Nas horas vagas, age como um hacker justiceiro. Vive sua vida “normal” até que um misterioso grupo hacker underground o recruta para destruir a firma que ele é pago para proteger. Aí sim, as coisas começam a acontecer e ter identidade própria.

O grande lance, cara, é que há pequenos detalhes que explodem como uma bomba dentro do crânio. Em Mr Robot tudo é sobre a nossa incapacidade de escolher de fato alguma coisa.
O programa sugere que nossas escolhas são devaneios, ilusões. Você, eu e o resto da humanidade, estamos emulando a nossa liberdade.
Fico pensando o quanto de antítese há em uma série de TV sugerir uma revolução quando a mensagem parte de um grande conglomerado como a USA Network. A rede é subsidiária da NBC Universal Cable, uma divisão da NBC Universal, corporação com receita de US$ 23 bilhões, sendo um braço da Comcast, com receita de US$ 65 bilhões.
E aí? Como faz?
Tudo bem, melhor não pensar nisso. Prefiro acreditar que eles aderem a estratégia de quebrar o sistema tratando-o como um amigo. Ande com o sistema, pague o seu almoço, conheça as suas fraquezas e liquide o desgraçado na melhor oportunidade.
Apesar de não deixar claro, a série parece estar na linha de pensamento do escritor Hakim Bey, idealizador do conceito TAZ (Zona Autônoma Temporária), que defende a ideia de criação e propagação de espaços autônomos temporários como tática de resistência e esvaziamento do poder. Fractais, rizoma, invisibilidade são alguns dos conceitos abordados.
Bey é contra a ideia de Revolução como a conhecemos, argumentando que as revoluções, ao engendrarem novos Estados, resultam em novas opressões, traindo sempre os ideais revolucionários. Ele explica: “(…) a trajetória padrão: revolução, reação, traição, a fundação de um Estado mais forte e ainda mais opressivo –, a volta completa, o eterno retorno da história, uma e outra vez mais, até o ápice: botas marchando eternamente sobre o rosto da humanidade. ”

Esse papo de mostrar a cara, dizer que está fora de tudo, apontar inimigos e ir ao combate, é para esses novos adultos burros e egocêntricos para cacete que não sacam nada de guerrilhas digitais. A rebeldia, meu irmão, não deve ter rosto. Caso contrário, vira piada, pois estamos todos inseridos na grande suruba capitalista.
Um exemplo?
A máscara de Guy Fawkes, da HQ V de Vingança, produto da mente brilhante de Allan Moore, mas totalmente envolvido com os tentáculos da gigante DC Comics. Nas ruas, durante diversas primaveras e manifestações como nos movimentos Occupy, estava sempre presente, tornando-se um símbolo anárquico, anticorporativo, mas confeccionada pela mais que capitalista das marcas, a Time Warner, dona da DC, que detém seus direitos autorais. Nas manifestações de junho de 2013, em São Paulo, Black Blocks destruíam símbolos do poder como bancos e concessionárias de carros de luxo munidos de calçados da Nike e mochilas Adidas.
A rebeldia contra qualquer opressão deve existir, mas saiba que estamos mergulhados nela. Ter consciência que você também é culpado é de suma importância.
É bom internalizar que até os nossos ídolos nos vendem coisas. Qualquer um, de qualquer estilo ou segmento. Do hip-hop ao hardcore, tudo é venda de estéticas, de coisas e produtos para nichos.
A não ser que você abandone a vida na cidade e dedique-se a agricultura, alimentando-se do seu próprio trabalho braçal e a confecção de suas próprias roupas, você está condenado.
É com esses argumentos que Mr. Robot te pega pela mão, te leva num beco escuro, e te dá um tapa na sua cara. Te entretém e ainda faz você pensar sobre marcas, indústrias, empresas. Ou mais exatamente, como elas estão mandando em sua vida, nas suas escolhas mais íntimas.
Marcas são criaturas mutantes, se adequam aos mais diversos gostos, as mais diferentes opiniões e filosofias. Marcas existem para uma única coisa: te escravizar por meio das dívidas, do consumo. E tudo isso é fruto da minha, da sua vaidade.
Acorde, baby, não seja trouxa. Não há liberdade de escolhas. Escolhemos apenas a prisão que melhor se adequa a nossa personalidade e anseios.
Bem-vindo ao mundo niilista de Mr. Robot. Bem-vindo ao Deserto do Real!
+ http://www.usanetwork.com/mrrobot
https://www.facebook.com/WhoIsMrRobot
Cara, curti pacas o seu texto, principalmente pela referência ao Hakim Bey (já leu Utopias Piratas?), que tem tudo a ver. Parabens!
Muito obrigado, Jorge. Flerto com o seu Bey faz tempo. Mas Utopias Piratas nunca li. Vou até me aplicar nisso. Valeu mesmo! Seu texto também acrescentou muito na discussão desta série incrível.