Dormindo.
Sonhos sobre Salvador, Bahia. Enredo: mudança para um sobrado enorme. Santo Antônio Além do Carmo? Não sei. Lugar bonito e repleto de azulejos. Sol morno na pele. Cadeira de praia na calçada. Óculos escuros amplificando o azul do céu. Só sabe o que é quem já viu. Sonhar com Salvador é bom presságio. É entrar na simulação de tempo bom. É esperança renovada.
Desperto.
Diversos dias em casa, quase sem falar com ninguém. Passa-se a contestar a realidade. Duvida-se que se tenha uma voz. Fala-se sozinho. A mente torna-se tagarela, narra tudo o que vê. Tem alguém aí?
A mente limpa fala sobre o que fiz ou deixei de fazer. Há arrependimentos e desculpas. Mas também há o “sou melhor por pelos caminhos tortuosos que tomei”. Tem algo aqui dentro surgindo? Alguém com mais humanidade, compaixão, tolerância? Tenho consciência. Sou uma espécie de Jim Delos em meu próprio cárcere confortável. Ou William “Man In Black” em delírios com o passado.
Acordei antes do despertador. A voz do Google começa a sua rotina. Diz “Bom dia”, informa a temperatura, abre o Spotify e toca Awake, do Tycho. Essa última foi ao acaso, já que a playlist estava no aleatório. O resto, automatizei.
Assistentes virtuais são uma das poucas coisas externas que me dirijo atualmente. Mas poxa, dê uma chance: elas fazem lembretes ou inserem itens em lista de compras de modo bastante eficaz. Diga “Ok, Google/Alexa, faça um timer de 25 minutos”. Funciona. Elas fazem. Elas lembram.
Evito as redes. Elas estão acendendo minhas raivas. Cacete. Um pulo no Twitter me enerva. Ir no mercado da esquina comprar comida é a mesma coisa. Ver casais da classe média paramentados com suas roupas de esporte. Correm despreocupadamente pelas ruas com nomes de rosas. As ruas vazias tomadas por egoístas.
Estou louco para arder as pernas em pedaladas na minha bicicleta. Mas não posso. Respeito as regras. O asfalto está repleto de germes para serem esterilizados, as ruas mais suscetíveis a assaltos e posso me acidentar. Mesmo que seja uma pequena torção, esse não é um bom momento para se estar em um hospital.
A casa é um pouquinho grande. Posso me movimentar nela. Subir escadas. Tomar banho de sol no quintal. Fazer comida. Ler na sala. Trabalhar no quarto. Limpar o que for preciso.
Estou planejando um programete no Youtube. O de sempre: cultura, música, comportamento. Fiz uns testes. Achei que seria fácil. Minha Santa Clara, que ridículo é me ver. Mas tenho que superar os danos da autoestima.
Também estou filmando meu desempenho em discotecagens. Gosto de tantos estilos que consigo fazer diversos sets. Perde-se a identidade, talvez, mas sobra diversão. Música é algo que não pode deixar de existir por aqui. Quem sabe exibo qualquer dia desses só para dizer que fiz.
Confesso que estou aflito. Meio sem razão. Meio sem rumo. O futuro é indefinido. Mas compreendo que o planeta deve estar se sentindo assim nesse momento. A questão é que estou longe de tudo e todos. Mas há de se ter esperanças.
Outro dia pensei na frente do espelho:
Não sei outras pessoas, mas essa temporada em casa me pirou positivamente. A arte só faz sentido com humanidade e partilha. Eu dizia que não gostava de gente. Mas acho que aprendi a apreciar a singularidade caótica das personalidades. Até as que nos irritam são necessárias.
Tenho ciência da minha chatice. Da minha solitude estranha. Mas sinto falta de “gente que abraça a gente só com sua presença, amansando nosso desconforto”.
Somos massa crua esquentando no forno. Breve seremos pão.
Durma.
Tudo tem seu tempo. O meu e o seu há de chegar.