O metrô cheira a fusível queimado.
Estou prestes a cair em sono enquanto ando. Queria dormir uma semana. Fugir para uma selva sem luzes elétricas e wi-fi.
A vida parece uma propaganda de painel de LED multicolorido.
As pessoas desta cidade são multirraciais e esquisitas. Não é algo negativo. São um milhão de ótimos personagens a cada piscada de olho. Negros de visual afrofuturistas. Orientais sempre me parecem ciborgues. Deus, quem pôs essa ideia maluca em minha cabeça? Blade Runner? William Gibson?
O vagão passa a ter cheiro de cozinha Árabe. Alguém entrou com esfirras. O odor me leva para o passado.
Os dias que a cidade não tinha entrado em mim completamente. Eu era puro de sua multicultura que oprime. Eu não tinha marcas nos sulcos da mente, na epiderme e na alma.
Me conecto com tudo. Sou rodas de puro aço deslizando por trilhos eletrificados. Sou o ar processado e refrigerado, as lâmpadas brancas, o brilho frio das telas de celulares refletidos nos olhos apáticos.
Sou todos e ninguém.
Sou insônia e pernas inquietas. O que acorda de sonhos intranquilos às 2h da manhã e se apega aos simulacros dos sons de oceanos para voltar a descansar.
Morfeu, o deus dos sonhos na mitologia grega, agora é puro ruído branco, trazendo todas as frequências na mesma potência.
Ele está na televisão fora do ar, em um rádio quando não está sintonizado, ou até mesmo no ruído constante do ar-condicionado.
Invoquei o seu poder em uma playlist do Spotify. Me perdi em sonhos confusos, à base de um barulho aconchegante. O limiar auditivo atingindo um nível máximo.
Na presença de seu novo modo de nos influenciar, o soberano do sono exerce estímulos auditivos mais intensos.
E o outro dia vem com sol frio, luz opaca. Tudo recomeça na cidade que mescla o orgânico com plástico, vidro, metal e asfalto.
E novamente, somos todos e ninguém.